Julião Machado (1963-1930)

ISBN: 978-65-00-51398-1

Imagem 1: Foto de Julião Machado. Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira da Fundação Biblioteca Nacional.

  Julião Félix Machado nasceu em 19 de junho de 1863, em São Paulo de Luanda, Angola e faleceu em 1 de setembro de 1930, em Lisboa, Portugal. Era filho do próspero comerciante açoriano, António Félix Machado.

  Julião Machado frequentou a Universidade de Coimbra, Portugal, mas não concluiu os estudos. O pai era contrário à vida boêmia e tentou inseri-lo nos negócios, porém, ao encontrar os desenhos do filho nos cadernos “diário” e “razão”, do Banco Nacional Ultramarino, que causaram indignação nos “maiorais da firma”, permite-o partir para Lisboa, para dar início aos estudos no campo das belas artes (LIMA, 1963, p. 964).

  Julião Machado participa da Exposição Universal em Antuerpia em 1885, onde se inscreve na Exposição Colonial de Portugal, subsidiada pelo governo português. Nela o artista recebe uma menção honrosa, na categoria Educação e ensino: material e processos das artes liberais, como também ganha uma medalha de prata na categoria Aplicação usual das artes de desenho e da plástica (O Economista, 29/09/1885, p. 2). No mesmo ano, o artista realiza O seu retrato, notas a carvão para compor o único volume do jornal luandense Ave Charitas, criado em prol do asilo de Pedro V (Correio da Manhã, 11/07/1885, p. 2).

  Após começar a frequentar o grupo de boêmios e naturalistas lisboetas que contava com artistas como Fialho d’ Almeida e Marcelino Mesquita, e a tertúlia da Cervejaria Leão de Ouro, localizada na Rua do Príncipe, frequentada pelo Grupo do Leão formado por Alberto de Oliveira, António Monteiro (proprietário do estabelecimento), António Ramalho, Cipriano Martins, Columbano Bordalo Pinheiro, Henrique Pinto, João Vaz, José Malhoa, Manuel Fidalgo (funcionário da cervejaria), Manuel Gustavo, Moura Girão, Rafael Bordalo Pinheiro, Ribeiro Cristino, Rodrigues Vieira, e Silva Porto, as caricaturas de Julião Machado começaram a serem divulgadas nos periódicos da época.

   Em 1886, Julião Machado foi colaborador artístico na folha O Diabo Coxo: chronica moderna illustrada, dirigida por Democrito & C.ª, impressa na Typographia da Viuva Sousa Neves, localizada na rua da Atalaia, nº 67. O nome da revista havia sido inspirado no romance de fantasia, satírico e de costumes, Le Diable boiteux (1707), escrito pelo francês Alain-René Lesage (1668-1747). Os redatores tinham a intenção de publicar um número por mês e, no final do ano, comporiam um único volume. A direção tinha como proposta comentar sobre os principais acontecimentos políticos, sociais e literários, analisados com “imparcialidade” e “sã razão”. Na nota de inauguração da folha, publicada em outubro de 1886, na primeira página do primeiro número, os redatores pedem “complacência”, pois relatam que acontecia com as novas publicações assim como aos “cães danados- todos as apedrejam” (O Diabo Coxo, outubro de 1886, p.1).

   Em 1887, Julião atua na Revista illustrada, dirigida pelo poeta Luiz Antonio Gonçalves de Freitas. No mesmo ano, foi colaborador da crônica mensal Lisboa Elegante, cujo proprietário era Joaquim Costa (1853-1924), dirigida por João Costa (1861-1926) e publicada pela Typographia e Lithographia de Adolfo Modesto (O Economista, 1887, p. 2).

  Em 1888, produz caricaturas para o jornal Diário Illustrado, como também realiza uma ilustração para compor o número único de Lisboa-Porto, publicado pela comissão executiva da imprensa de Lisboa e criado solidariamente pela união de intelectuais artísticos e literatos que atuavam na mesma, como uma forma de prestar solidariedade às vítimas sobreviventes do incêndio que aconteceu no teatro Baquet no Porto. A gazeta estava sob a direção artística de Bordalo Pinheiro. Era cromo litografada, contendo 40 páginas em fólio e se encontrava a venda no valor avulso de 600 réis(Jornal da Noite, 06/08/1888, p. 1).

  Julião Machado lança-se como diretor artístico, criando, em 1888, ao lado de Marcelino Mesquita- como diretor literário, Henrique Dias- como administrador, Silva Lisboa e Fialho d’ Almeida a revista ilustrada A Comedia Portugueza. O objetivo dos redatores era criar uma revista ilustrada que comentasse sobre os costumes da sociedade portuguesa de forma crítica, não tendo como finalidade apenas o chiste. No dia 03 de fevereiro de 1889, o redator do Correio da manhã de Lisboa anuncia a publicação do 18º número da revista Comédia Portugeza e ressalta a habilidade artística do intelectual, relatando que, ao lado de dois escritores já conhecidos, Marcelino Mesquita e Fialho d’Almeida, havia um jovem de “talento”, que lançava em Portugal “a caricatura fina, graciosa, elegante, que só estávamos habituados a encontrar nas ilustrações parisienses, sobretudo na Vie parisienne de tanta voga em Paris” (Correio da Manhã, 03/02/1889, p. 1). Porém, a folha circulou por pouco mais de um ano, encerrando sua atividade em 19 de dezembro de 1889.

   Ainda em 1889, Julião Machado ilustra para a revista teatral, Gazeta de S. Carlos, administrada por R. A. Campello, que tinha como redator T. A. Vilhena. Era publicada no primeiro e terceiro domingo de cada mês. O número avulso desta folha custava vinte réis e a assinatura de dez números custava 200 réis. Realiza ainda ilustrações para os livros: Pasquinadas, de Fialho d’Almeida, publicado pela editora Alcino Aranha, do Porto; e A Fabia, reimpressão da paródia de Francisco Palha.

   Em 1890, foi convidado por Rafael Bordalo Pinheiro, para ilustrar fixamente no Pontos nos ii, mas Julião recusa a proposta por possuir uma perspectiva menos caricatural e incisiva do humorismo, diferentemente de Rafael Bordalo Pinheiro (LIMA, 1963, p. 968).  Ainda em 1890, foi diretor do órgão mensal Boletim do Grêmio Portuguez de amadores photographicos, ao lado de Antonio Dias Costa e Arnaldo Fonseca (O Economista, 06/07/1890, p. 2). Em 24 de dezembro de 1890, Julião lança o jornal de caricaturas A Lisbia (Correio da Manhã, 24/12/1890, p.2). Em 17 de janeiro de 1891, é lançado o hebdomadário humorístico e satírico, A Baixa, no qual Julião Machado foi diretor artístico. O semanário era publicado aos sábados e impresso na Lithographia da Companhia Nacional Editora de Lisboa. No mesmo ano, realiza a capa ilustrada e alguns desenhos para compor o livro Um conto de réis, escrito pelo político e jornalista português, Carlos de Faria e Melo. Os desenhos do artista foram comparados pelo articulista da coluna O Paiz às obras de Paul Gavarni (1804-1866), artista plástico parisiense (O Paiz, 14/04/1892, p. 2).

   Entre os anos de 1892 a 1894, Julião Machado vive em Paris, onde tem como professor de desenho o pintor português José Malhoa (1855-1933), e pratica no ateliê Cormon, de propriedade do pintor francês Fernad Cormon (1845-1924) (FONSECA, 2016, p.101).

   Em 1893, é publicado o livro de contos O Paiz das Uvas, de Fialho d’Almeida, criado como um presente aos assinantes do jornal Gazeta de Noticias,do Rio de Janeiro (LIMA, 1963, p. 968). Nesta obra, Julião realiza um trabalho de iluminurista, decorando a mesma com 49 ilustrações. A partir de 1894, pode-se localizar anúncios nos periódicos cariocas sobre a venda deste volume, com capa em brochura, no valor de 6$000 (O Paiz, 18/05/1894, p.5).

   No dia 5 de junho de 1893, é lançada A Revista: illustração luso-brazileira, que tinha como diretor literário José Barbosa, antigo colaborador da Gazeta de Noticias, Jorge Colaço (1868-1942) como diretor artístico e Julião Machado como um dos ilustradores principais. Na contracapa da revista poderia ser localizado um catálogo com o nome de artistas brasileiros e portugueses que seriam os colaboradores artísticos e literários. Nela consta os nomes de alguns dos membros do Grupo do Leão de Ouro, como Fialho d’Almeida, Jorge Colaço, José Malhoa e Rafael Bordalo Pinheiro. Era publicada em Paris, com o objetivo de unir a arte e a literatura da nação brasileira e portuguesa. O último número localizado de A Revista, na Biblioteca Nacional Digital da Biblioteca Nacional de Portugal, foi em 5 de outubro de 1893. No mesmo ano, Julião Machado também realiza ilustrações para o semanário dominical ilustrado Galleria Portugueza (Commercio de Portugal, 05/05/1893, p. 2).

   Nos meses finais de 1894, já falido em Paris, Julião Machado compra passagem para Buenos Aires, porém não chega ao destino final, pois, ao chegar no Rio de Janeiro, é convidado por um colega de imprensa para permanecer no Rio (LIMA, 1963, p. 968).

   A chegada de Julião Machado ao Brasil coincidiu com o avanço das técnicas de impressão da imprensa ilustrada, permitindo que o intelectual utilizasse uma nova técnica, pouco empregada no Brasil, inspirada pela caricatura francesa e por alguns cartazistas parisienses. Sendo assim, a partir de 1896, os periódicos e as revistas ilustradas começaram a utilizar a técnica de fotogravura por zincografia, que possibilitava o uso de recursos, que a litografia não permitia. E ainda com o advento da autotipia, tornou-se possível a publicação de fotografias. Essas técnicas contribuíram para que os caricaturistas da época adicionassem cor a seus desenhos (LAGO, 2001, p. 50). De acordo com Lago (2001, p. 14), Julião Machado foi responsável por inaugurar nos anos finais do século XIX, a segunda geração de caricaturistas brasileiros, tendo Angelo Agostini como percursor da fase anterior. Nesta mesma direção, Lima (1963, p. 963) afirma que Julião Machado foi o primeiro a empregar os procedimentos de zinco e da fotogravura, abrindo um novo caminho para o impresso humorístico no Brasil.

Imagem 2: Primeira página, A Cigarra, 1895. Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira da Fundação Biblioteca Nacional.

   Em 9 de maio de 1895, ao lado do poeta e cronista, Olavo Bilac (1865-1918)- como redator chefe, Manoel Ribeiro Junior- como proprietário e editor, e José Barbosa, (antigo redator de A Noticia)- comodiretor gerente,cria o semanário A Cigarra, disseminado às quintas-feiras e impresso a três cores. O escritório da folha ficava localizado na movimentada Rua do Ouvidor, nº 115. No primeiro número da revista, a figura da cigarra é representada por uma mulher jovem, sorridente, que toca um violão e possui grandes asas. A ilustração, parecia fazer alusão ao desenho que Gustave Doré realizou para ilustrar a fábula A cigarra e a formiga, de La Fontaine. Na qual o artista também representa a cigarra como uma moça que segura um violão em uma das mãos. A figura da cigarra representava a vida boêmia, defendida pelos criadores da revista.

   Julião Machado desempenhou um trabalho delicado e rigoroso em A Cigarra, produzindo caricaturas, portrait-charge, vinhetas, etc. Na revista podemos ver os traços finos do artista como também as figuras femininas que sempre estiveram presentes em suas ilustrações. Os editores utilizaram em alguns números as técnicas gráficas de fototipia e colotipia.  Devido a isto, e ao fato de ainda terem que pagar os colaboradores, os redatores tiveram dificuldade de mantê-la em circulação (O Paiz, 22/10/1895, p.5). A folha encerrou a sua atividade em 16 de janeiro de 1896.

   Em 7 de fevereiro de 1896, é lançada A Bruxa, hebdomadário ilustrado, publicado às sextas-feiras, dirigido por Olavo Bilac, tendo Julião Machado como diretor artístico e João Lage (diretor de O Paiz), como proprietário. Esta folha encerrou a sua circulação em 30 de junho de 1897. Ainda em 1896, ilustrou no jornal Gato Preto, dos Fenianos. Desenhou para O livro das noivas, de Julia Lopes de Almeida; Almanach d’A educadora; e para o almanaque Holanda. Desenhou figurinos para o ensaio teatral A fantasia, de Arthur Azevedo, que foi apresentado no teatro Eden Lavradio, sob luz elétrica, como também para a peça teatral Rio-nú. No mesmo período, produziu croquis para compor o cenário da peça, A ilha da Trindade, apresentada no teatro Apollo. Em 1902, escreve a peça teatral Primo Alv’ro, que contava com a participação do ator Grijó.

   Em 1895, Julião realiza um portrait-charge para compor o primeiro número da Revista moderna, editada por Domingos de Magalhães, também ilustra em A Noticia ilustrada, publicada mensalmente. Colabora no Rio-Revista, realizando entre outras atividades, o frontispício do mesmo. Mantém um folhetim ilustrado em A Noticia, publicado as quartas-feiras. Participa ainda da sociedade carnavalesca dos Fenianos, que naquele ano oferecia aos convidados um jornal ilustrado por Julião Machado (Gazeta de Noticias, 13/07/1895, p. 2) e realiza croquis para o cenário da opera A ilha da trindade, de E. Garrido e Assis Pacheco (Gazeta de Noticias, 28/12/1895, p. 2). Em 1897, desenhou figurinos para a peça teatral O conselheiro, da empresa Fernandes Pinto & C.; e para A Corôa de Fogo, pertencente a Companhia Pepa e Brandão. Também escreve a coluna Guia do amador de tauromachia, no jornal Semana Sportiva.

   Em 1898, atua na revista ilustrada, O Mercurio, de propriedade de Gaston & Alves e funda juntamente com o jornalista e poeta Guimarães Passos (1867-1909), Gil Braz. Cria ainda a revista teatral de ano Viva!Vivôo!. Em 1899, realiza o Album Julião Machado, álbum de desenhos editado em Lisboa, para ser vendido no Brasil e em Portugal (O Paiz, 11/09/1899, p. 1). No mesmo ano, ilustra o livro A caça no Brasil Central, escrito pelo oficial do exército, Henrique Silva e publicado por Domingos de Magalhães.

   Julião Machado também realizou diversas capas ilustradas para comporem livros, entre eles se encontrava: Bric-à-Brac (1895), de Valentim Magalhães, editado pela Laemmert & C.; Suicida! (1895), de Figueiredo Pimentel, editado pela Fanchon & C.; A mulata (1896), “romance de fogo”, de Carlos Dias, editado pela Quaresma & C., contendo capa ilustrada cromo litografada a oito cores; Manual do Namorado (1896), publicado pela Quaresma & C.; Flor de sangue (1896), de Valentim Magalhães, editado pela Livraria Laemmert; Contos para velhos (1867); Filhotadas (1897), de Pierrot; Padre Eusebio (1897), de Antonio Celestino, publicado por Domingos de Magalhães; Contos fora da moda (1897), de Arthur Azevedo, editado por Domingos de Magalhães; Um escândalo (1897), de Artur Lobo, editado pela Laemmert & C; O livro dos Phantasmas (1898), da editora Quaresma & C., que continha estampas de Julião Machado, Lucas Childe e outros; Por montes e Valles (1899), de Coelho Neto, editado por Domingos de Magalhães; O Rio de Janeiro em 1900 (1899), de Ferreira da Rosa; Cozinheiro Popular (1900), editado pela Quaresma & C; Magnificat (1901), de Orlando Teixeira; Caprice Valsa (1900), cançoneta de Manuel Faulhaber, Iwan D’Hunac- pseudônimo de Joao Itiberê da Cunha (1870-1953), com letra de Xanches da Gama; O Barba Azul (1904), romance humorístico de J. Reporter- pseudônimo de Gastão Raul de Forton Bousquet (1870-1918); e A farça, do escritor português, Raul Brandão.

   De 1899 a 1902, foi colaborador no Jornal do Brasil, com a seção Figuras, Figurinhas e figurões, “gênese da charge de atualidades urbanas naquele jornal” (LIMA, 1963, p. 971). Em 1913 colabora no Jornal do Comércio, realizando ilustrações para o suplemento dominical, Jornal Ilustrado. De 1902 a 1915, manteve no jornal O Paiz a coluna, Actualidades. De 1915 a 1917, atua em A noite, comentando sobre os acontecimentos nacionais e internacionais. Ainda em 1915, funda o jornal A era nova. Já em 1918, escreve a peça teatral O Modelo, apresentada simultaneamente no Rio de Janeiro e em Lisboa.

   Atua ainda em Kosmos; D. Quixote (1917), dirigido por Bastos Tigre; Guanabara; A Notícia ilustrada; Revista da Semana; Almanach do Paiz; Albúm do Paiz; Almanaque d’ A Noite;e A folha (LIMA, 1963). Realiza ainda rótulos, anúncios, cartazes e caricaturas instantâneas.

   Julião Machado também realizou trabalhos voltado para o público infantil.  Em 1896, realiza algumas ilustrações para comporem o livro Histórias da Baratinha, um dos volumes da Bibliotheca Infantil da editora Quaresma & C., que contava com ilustrações de outros “notáveis desenhistas modernos”. Em 1900, ilustra as Histórias da Avózinha, da mesma editora. Em 1906, ilustra os Contos para Crianças, de Chrysanthème. Em 1913, realiza ilustrações para a revista infantil O Juquinha, onde cria a história A princeza Ki-Ky.

   Em 8 de dezembro 1903, Julião Machado viaja para Lisboa a bordo do navio Magdalena e só retorna em 25 de julho de 1905, a bordo do navio Chili (Gazeta de Noticias, 25-07-1905, p.1). Neste período, em 1903, ao lado de Baptista Coelho, escreve a peça teatral, Culpa Antiga, apresentada pela Companhia Dias Braga e em 12 de dezembro de 1904, se casa com Honorma Ferreira Ribeiro, brasileira que vivia em Lisboa. Julião Machado não teve filhos.

   No biênio, 1906-1908, exerceu o cargo de segundo secretário do Gabinete Português de Leitura. Em 1915, começou a realizar iluminuras para compor o primeiro canto de Os Lusíadas, porém em 1920, a convite e custeado por Félix Celso, diretor da revista Brasil Ferro-Carril, se muda para Lisboa, para realizar um estudo minucioso sobre o tema e pôr em prática o projeto. Devido a sua condição de saúde, a empreitada foi interrompida no início do nono canto, pois Julião falece antes de concluir o projeto (LIMA, 1963, p. 976).

   Julião Machado também esteve presente na história da Academia Brasileira de Letras, pois foi ele o responsável por desenhar o segundo modelo do fardão, utilizado pelos membros da ABL. Em 1916, Afonso Celso (1860-1938), um dos membros fundadores, propõe a mudança no uniforme, que só é renovado em 1922, quando o intelectual entrega para a direção quatro croquis realizados por Julião Machado. Em 1923, o novo uniforme entra em vigor, sendo constituído por bordados em formato de louro, a espada e um bicorne de veludo preto com plumas brancas (LIMA, 1963, p. 983; FANINI, 2009, p. 273).

   No dia 2 de setembro de 1930, no Jornal O Paiz (RJ), é publicado um memorial, que ressaltava a relevância de Julião Machado para a história do impresso e da arte carioca:

Julião Machado
O grande artista português – e brasileiro, também, sobretudo carioca, por ter vinculado seu nome a nossa vida de imprensa- Julião Machado, que ontem morreu em Lisboa, deixou no PAIZ, onde foi redator dos mais brilhantes e, depois, colaborador dos mais ilustres, traços admiráveis da sua inconfundível personalidade. Com João Lage, o grande jornalista e nosso inesquecível chefe, e Olavo Bilac, fundou, aqui, A Bruxa, revista humorística que, apesar de vida efêmera, largamente popularizou e patenteou o seu pendor alegre, satírico, a sua verve, o seu gênio folgazão.

Com esse delicioso humour, desenhista seguro, caricaturista hábil e felicíssimo, de boutodes personalíssimas. Julião Machado trabalhou, nestes últimos 30 anos além do PAIZ, na maioria dos jornais cariocas, como colaborador e ilustrador, precisamente na época em que os nossos caricaturistas atingiam, alguns, o seu maior apogeu e, outros, mais jovens, iniciavam seus passos nas revistas ilustradas cariocas.

Durante esses 30 anos, Julião Machado militou, assim na nossa imprensa, não sendo fácil restabelecer, nesta rápida nota, ponto por ponto, a rota brilhante da sua inteligência de artista raro, através de páginas e páginas de revistas e jornais, em que seu traço inconfundível se fez notável e aplaudido.

Diários, semanários, álbuns, almanaques, até cartazes de reclame que se celebrizaram o cunho do seu grande talento, em páginas cintilantes de humorismo e firmeza artística.

Foi uma personalidade complexa a de Julião Machado. Mas, em todas as suas modalidades, a expressão plástica predominava. Desde os famosos desenhos com que ilustrou a 1ª edição deliciosa d’O Paiz das uvas, o seu nome adquiriu prestigio pessoal.

No Brasil fez-se caricaturista: mas sua caricatura mesma nada quase tinha desse gênero: era ilustrador que se evidenciava em todas essas páginas. Assim, nas caricaturas publicadas no Rio, só se compreendia o desenhista que compõe com intuito de ilustrar. Suas alegorias comemorativas, que tantas vezes iluminaram as páginas do PAIZ, não se afastavam desse espírito. Para ele não bastava a linha simples, o traço ermo: fazia-se mister o conjunto, a ideografia de uma conjugação explicita, onde se visse, por assim dizer, o quadro.

Numa evolução legitima, e tendendo ainda mais para a síntese, Julião Machado acabou por integrar-se de vez na sua profunda vocação de que só as contingências da vida moderna o haviam provisoriamente afastado: a iluminura.

Iluminar o texto, ciar na claridade de uma tradução plástica o sentido visual do poema, abrindo ao leitor, pela dupla participação dos sentidos, o ambiente necessário, – eis aí o seu enlevo primordial

Foi por isso que Julião Machado quis sua vida, nos últimos tempos, exclusivamente consagrada a escrever, ele também, e de novo, na sua linguagem pictural, Os Lusíadas.

Dessa obra admirável do comentário verso a verso das estrofes incomparáveis conhecemos algumas páginas reproduzidas: só da composição e da arte interpretativa se poderia falar diante dessas reproduções. Mas sucede que os amigos, de passagem por Lisboa, traziam notícias admirativas sobre o trabalho de Julião Machado. Ao que nos informam, a obra está inacabada. O artista português havia iluminado oito cantos apenas.

Com Julião Machado, caricaturista, iluminador, escritor de teatro, crítico de arte, jornalista, mas, principalmente- desenhista- desaparece uma nobre e formosa figura de ontem, de amigo e de artista.

Como mais uma manifestação de sua veia artística, Julião Machado também se fez crítico teatral, manejando criteriosamente a pena, como brilhante se havia com o crayon e o nanquim.

De crítico teatral abalizado, não era difícil que a ribalta o atraísse, e ei-lo escrevendo uma excelente peça, Modelo, que foi a cena pela primeira vez, em 2 de janeiro de 1918, no Polytheama de Lisboa, interpretada por Chaby pinheiro, Othelo de Carvalho, Santos Mello, Pinto Grijó, Aura Abranches e Herminia Silva. Há dessa obra um exemplar impresso em cuja página de frente se lê a seguinte dedicatória: – “Ao grande mestre José Malhôa e a João Mattos da (ilegível) (O Paiz, 01/09/1930, p.2).

   Julião Machado utilizou os pseudônimos Fra-Diavolo, João Mateus, Casimiro Migary e assinou com a abreviatura J. M.

REFERÊNCIAS

FANINI, Michele Asmar. Fardos e fardões: mulheres na Academia Brasileira de letras (1897-2003). Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas- USP. São Paulo: 2009. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-19022010-173143/publico/MICHELE_ASMAR_FANINI.pdf. Acesso em 19 de julho de 2022.

FONSECA, Leticia Pedruce. As revistas ilustradas A Cigarra e A Bruxa: a nova linguagem gráfica e a atuação de Julião Machado. Tese (Doutorado em Desing) – Programa de Pós-Graduação em Desing do Departamento de Artes e Desing do Centro de teologia e Ciências Humanas- PUC. Rio de Janeiro: 2012. Disponível em: https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/colecao.php?strSecao=resultado&nrSeq=21767@1. Acesso em 19 de julho de 2022.

LAGO, Pedro Correia do. Caricaturistas brasileiros (1836-2001). 2ª ed. Rio de Janeiro: Contracapa, 2001.

LIMA, Herman. História da caricatura no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1963.

Acervos

Biblioteca Nacional Digital da Biblioteca Nacional de Portugal. Disponível em: https://bndigital.bnportugal.gov.pt/. Acesso em 13 de junho de 2022.

Hemeroteca Digital Brasileira da Fundação Biblioteca Nacional. Disponível em: http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/. Acesso em 19 de julho de 2022.

Hemeroteca Municipal Digital de Lisboa. Disponível em: http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/. Acesso em 19 de julho de 2022.

Fontes

A Baixa. Lisboa: Lithographia da Companhia Nacional Editora, 1891.

A Cigarra. In: O Paiz. Rio de Janeiro: ed. 04038, 22/10/1895, p.5.

A Comédia Portugueza: chronica semanal de costumes, casos, politica artes e lettras. Lisboa, PO: Ano 1, n. 1, 06 de outubro de 1888.

A ilha da trindade. In: Gazeta de Noticias. Rio de Janeiro: ed. 00362, 28/12/1895, p. 2.

Ave charitas.In:Correio da manhã. Lisboa: ed. 00178, 11/071885, p. 2.

Bailes carnavalescos.In:Gazeta de Noticias. Rio de Janeiro: ed. 00194, 13/07/ 1895, p. 2.

Correio da Manhã.Lisboa:ed. 01287A,03/02/1889, p. 1.

Declarações: A Cigarra. In: Gazeta de Noticias. Rio de Janeiro: ed. 00296, 22/10/1895, p. 3.

Gazeta de Noticias. Rio de Janeiro: ed. 00206, 25/07/1905, p.1.

Gazeta de S. Carlos. Lisboa:  Ano 1, n. 1, 03/111889.

Julião Machado. In: O Paiz. Rio de Janeiro: ed. 16751-16752, 01/09/1930, p. 2.

Lisboa-Porto.In:Jornal da Noite. Lisboa: 06/08/1888, p. 1.

O Diabo Coxo: chronica moderna illustrada. Lisboa: Typographia da Viuva Sousa Neves, 1886.

O Economista. Lisboa: 29/09/1885, ed. 01225, p. 2.

O Economista. Lisboa: 02/09/1887, ed. 01798, p. 2.

O Economista. Lisboa: 06/07/1890, ed. 02649, p. 2.

Livreiro- Editor Domingos de Magalhães. In: O Paiz. Rio de Janeiro: ed. 04301, 18/05/1894, p.5.

Palestra. O Paiz. Rio de Janeiro: ed. 05454, 11/09/1899, p. 1.

Pequenas notícias.In:Correio da Manhã. Lisboa: ed.01875, 24/12/1890, p.2.

Secção bibliograhica: subsídios para a história do jornalismo portuguez. In: Commercio de Portugal. Lisboa: ed. 04137, 5 de maio de 1893, p. 2.


Soyane da Silva Santos

Pedagoga formada pela instituição de ensino Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ.

Crie um site como este com o WordPress.com
Comece agora