Elvira Nizynska da Silva (1896-1964)

ISBN: 978-65-00-51398-1

  Elvira Nizynska nasceu na cidade do Rio de Janeiro, à época capital federal, em 20 de novembro de 1896, filha do comerciante de descendência polonesa João Nizynski e de Bronislava Nizynska. No ano de 1911, após concluir os estudos na Escola Benjamin Constant, Elvira ingressou no curso normal da Escola Normal do Distrito Federal, localizada na extinta Praça XI. Sua carreira como professora primária no Distrito Federal teve início em 1914 quando, já formada, foi designada professora auxiliar de ensino. Já em 1918, foi chamada para o cargo de professora adjunta de ensino primário. As experiências da educadora como docente primária foram registradas em um artigo publicado por ela em 1917, intitulado “Testes sobre os tipos de memória e capacidade de atenção”. O artigo veio a público pela revista A Escola Primária. Além de narrar a aplicação do teste e os resultados alcançados, Nizynska também pontuou que participara, no mesmo ano, do curso de Psicologia Experimental oferecido pelo Pedagogium.

            Em 1920, a educadora casou-se com o empresário português Domingos da Silva, passando a assinar Elvira Nizynska da Silva. Foi também ao longo da década de 1920 que atuou como professora de diversas escolas públicas primárias do Distrito Federal. No âmbito dos debates educacionais, Nizynska se filiou à Associação Brasileira de Educação (ABE), criada em 1924. Embora não tenha sido signatária do “Manifesto dos Pioneiros” (1932), a educadora estava presente nos debates acerca da “Escola Nova”, uma vez que artigos produzidos ao longo da década seguinte apontam para sua afinidade com o movimento educacional.

            Foi na década de 1930 que a produção intelectual de Nizynska tornou-se mais perceptível por meio de registros (pareceres, artigos, menções em periódicos). Em 1931, em conjunto com as professoras Deolinda Martins e Octávia Saldanha, escreveu o livro Minhas Leituras destinado a alunos do primeiro ano do Ensino Primário. O impresso apresentava histórias breves, com situações idealizadas da infância (crianças brincando, passeando com a família, estudando). Ao final de cada história seguiam-se exercícios de gramática e matemática, relacionados a alguns elementos da narrativa. No ano de 1933 foi promovida a diretora adjunta do Grupo Escolar Rodrigues Alves (localizado no bairro do Catete, Rio de Janeiro), junto com sua parceira de trabalho e amiga Deolinda de Almeida Martins. A comemoração realizada no Grupo Escolar, em decorrência da promoção das novas diretoras, foi noticiada no jornal “Vida Doméstica”, voltado para o público feminino.

            Em 1934, Nizynska foi nomeada professora assistente das disciplinas “Leitura e Linguagem” e “Literatura Infantil” do Instituto de Educação do Distrito Federal. Ambas as disciplinas compunham as chamadas “matérias de ensino”, que tinham como papel principal instrumentalizar as futuras professoras para o trabalho prático em sala de aula. A escolha das professoras assistentes das matérias de ensino se dava, em geral, a partir de suas atuações destacadas no ensino primário, visto que a maioria dessas educadoras possuía como formação o Curso Normal, de nível secundário. Nesse sentido, é possível inferir que foi a atuação pregressa de Elvira Nizynska, junto ao ensino primário carioca, que possibilitou sua inserção no Instituto de Educação do Distrito Federal. Sua atuação no Instituto, por sua vez, lhe abriu as portas para comissões federais e municipais ao longo do período, permitindo, assim, que suas ideias acerca do livro infantil ficassem registradas em uma série de pareceres e artigos produzidos no âmbito dessas comissões.

            No ano de 1936, o Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, organizou uma comissão que seria responsável por estudar e promover a literatura infantil no país. Da Comissão Nacional de Literatura Infantil (CNLI) participaram escritores e educadores, dentre os quais Murilo Mendes, Jorge de Lima, Cecília Meireles e Elvira Nizynska da Silva. Foi na CNLI que a educadora produziu diversos discursos sobre o livro infantil, com especial ênfase nos predicativos para um livro infantil ser considerado de qualidade. Outras temáticas, como Nacionalismo e Literatura Infantil, assim como projetos para a ampliação do público leitor infantil (bibliotecas infantis, concursos literários; custeio de edições de livros infantis pelo governo), também figuraram em seus pareceres e artigos no âmbito da Comissão.

            Acerca da literatura para crianças, a educadora defendia a importância do elemento fantasia nas histórias destinadas ao público infantil, também apontava para a importância de se compreender o desenvolvimento psíquico da criança, para que, assim, os livros infantis estivessem mais de acordo com os interesses e as necessidades (presumidas por aqueles que estudavam o desenvolvimento infantil) dos jovens leitores. Nos artigos e pareceres escritos para a CNLI, Nizynska poucas vezes citou os autores com os quais estava dialogando para embasar seus argumentos. Contudo, no mesmo período produziu o programa de curso para a disciplina Literatura Infantil (1935), do Instituto de Educação. Dentre os autores, nomes do movimento genericamente denominado Escola Nova (tanto em sua corrente europeia quanto norte americana) apareceram como bibliografia básica do curso. Nesse sentido, Elvira procurou compreender a literatura infantil, bem como a criança a partir dos estudos da psicologia do desenvolvimento e dos escritos acerca do tema Educação e Sociedade. Ainda sobre os documentos produzidos no âmbito da CNLI, são perceptíveis os diálogos com estudos sobre leitura, bibliotecas escolares e livros infantis produzidos por intelectuais ligados ao Bureau International d’Education, da Suíça.

            No ano de 1936, Elvira Nizynska da Silva publicou o artigo “Problemas da Literatura Infantil”, que foi publicado em dois periódicos distintos, em datas diferentes, no mesmo ano. Em abril de 1936, o trabalho foi publicado no periódico O Jornal, em conjunto com outros artigos cujo tema era a Literatura para crianças. Os artigos foram fruto de palestras proferidas por esses educadores e escritores no evento realizado em 30 de abril 1936, em comemoração ao aniversário de morte do escritor italiano Edmundo d’Amicis (autor do livro Cuore, destinado ao público infantil). Foi após o evento, promovido pelo MES (Ministério da Educação e Saúde), que o Ministro Gustavo Capanema anunciou a criação da Comissão Nacional de Literatura Infantil (CNLI). No mesmo ano, já na edição de julho de 1936, da revista Infância, o mesmo artigo foi publicado na seção Estante Infantil da revista. Essa seção era destinada aos livros infantis e apresentava desde pequenos contos e dicas de livros para crianças, até artigos mais teóricos sobre a literatura infantil.

            A partir do artigo publicado foi possível mapear a atuação da educadora no Instituto de Educação do Distrito Federal. Como trabalhos em sua disciplina Literatura Infantil, Nizynska realizava, em conjunto com as professoras em formação, “inquéritos” para compreender os gostos literários infantis, bem como a relação que o jovem leitor estabelecia com os livros que lhes eram destinados. Naquele momento, a respeito do livro infantil, vislumbra-se um embate acerca do uso da fantasia nas narrativas. Em seu artigo, a educadora defende o uso da fantasia, argumentando que os “inquéritos” realizados por suas alunas (e por outras educadoras, em outros momentos) apontavam para o discernimento infantil entre aquilo que seria real e o que seria fantasioso. Nesse sentido, a fantasia não seria um aspecto prejudicial (como afirmavam aqueles que eram contrários ao elemento fantástico na literatura para crianças). Seus estudos também apontam para uma preocupação com relação ao elemento educativo dos livros infantis. A educadora afirmava que o elemento educativo era fundamental, mas não poderia se sobrepor aos elementos literários. Sobre questões como nacionalismo e aos comportamentos e sentimentos “exemplares”, não deveriam conduzir ao sentimentalismo “piegas” (nas palavras da educadora) nem à xenofobia ou a outros tipos de preconceitos.

            Ainda em 1936, no mês de setembro, Elvira Nizynska foi convidada para proferir uma conferência na Associação Brasileira de Educação (ABE) por ocasião da doação de livros escolares estadunidenses, ofertados pela esposa do embaixador dos Estados Unidos da América à biblioteca da Associação. O evento foi noticiado no jornal O Cruzeiro. Nesse período, conciliava as atividades de professora assistente do Instituto de Educação com a participação na Comissão Nacional de Literatura Infantil. A trajetória profissional de Elvira Nizynska da Silva, até aqui, nos permite compreender seu papel enquanto intelectual mediadora (em sua atuação como professora e diretora de escola primária) e produtora de conhecimento (vide suas atuações na CNLI e no Instituto de Educação), uma vez que se insere nos debates sobre o livro infantil no Brasil da época.       

             Em 1937, Nizynska, seguiu com as atividades de diretora de escola primária, atuando na 1ª Escola Experimental Bárbara Otoni. Essa escola foi a primeira dentre outras seis escolas que passaram a ser referência na gestão de Anísio Teixeira na direção de Instrução Pública do Distrito Federal. Nas escolas experimentais adotava-se o sistema de ensino a partir de projetos que se iniciavam por temas de interesse dos próprios discentes, sob orientação de professores e dirigentes da escola. Esse sistema era inspirado em escolas experimentais criadas nos Estados Unidos da América. No ano seguinte, 1938, foi transferida para a direção da 3ª Escola Experimental Argentina, localizada no bairro de Vila Isabel. No mesmo período, a Comissão Nacional de Literatura Infantil finalizou suas atividades, a pedido do próprio governo federal, que alegava não ter mais verbas suficientes para mantê-la. A educadora seguiu como Diretora da Escola Argentina até 1952, quando se aposentou.

            Com o recrudescimento das perseguições políticas a Anísio Teixeira, que se mostrava crítico ao governo de Getúlio Vargas, sobretudo a partir de 1937, após a instauração da ditadura do Estado Novo, a Universidade do Distrito Federal (UDF), criada em 1935 foi extinta pelo ministro Gustavo Capanema. Seu fechamento se deu sob a alegação de que a instituição prejudicava o projeto de centralização dos cursos de Ensino Superior na Universidade do Brasil (atual UFRJ).  Em 1939, o Instituto de Educação do Distrito Federal, antes vinculado à UDF passou para a direção do intelectual católico Alceu Amoroso Lima e o curso de Formação de Professores sofreu algumas alterações curriculares. A disciplina Literatura Infantil deixou de ser independente e passou a fazer parte do programa de Leitura e Linguagem. Nesse período, Elvira Nizynska da Silva já não constava mais no quadro de professores do Instituto.

            No ano de 1938 a educadora também participou de uma Comissão de Livros Escolares, criada pelo governo do Distrito Federal. Em artigo sobre os livros escolares, o Padre Helder Câmara faz referência a essa comissão, no jornal Correio da Manhã. Além de Elvira Nizynska, também faziam parte da mesma comissão Sérgio Buarque de Holanda e Delgado de Carvalho, dentre outros intelectuais do período. A Comissão era encarregada de avaliar e indicar os livros escolares a serem comprados pelo governo do Distrito Federal e disponibilizados em bibliotecas de escolas públicas. Os registros da atuação da educadora em periódicos cariocas, ainda que parcos, se estendem até o ano de 1952, quando ela se aposenta. A última menção na imprensa sobre a educadora é de setembro de 1965, quando se noticia a missa pelo primeiro ano de seu falecimento. Elvira Nizynska faleceu no ano de 1964, em decorrência de problemas cardíacos.

Referências Bibliográficas

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Aline Santos Costa de Lemos

Doutora em Educação (ProPEd/ UERJ)

Professora de História da Secretaria de Educação do Município de Itaguaí (SMEC Itaguaí)

Professora do Curso de Pedagogia da Faculdade Fernanda Bicchieri (FABEL)

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